A ecocardiografia transesofágica permite a avaliação indireta das pressões de enchimento do lado esquerdo do coração através de várias medidas, utilizando-se tanto da imagem bidimensional quanto do Doppler.
A maior vantagem do eco sobre os outros métodos baseados em avaliações pressóricas é que ele consegue identificar os casos onde a complacência ventricular está alterada e conseqüentemente não há relação direta entre pressão diastólica final (PDF) e volume diastólico final (VDF). Devemos lembrar que além da complacência ventricular muitos outros fatores podem influenciar essa relação, como por exemplo, o uso de drogas vasoativas, pressões intratorácicas alteradas por ventilação mecânica ou tamponamento cardíaco.
Utilizando a ecocardiografia bidimensional para a observação do septo interatrial, sua curvatura e sua movimentação durante o ciclo cardíaco, podemos extrair informações importantes sobre as pressões atriais esquerda e direita. A pressão do átrio esquerdo (AE) é normalmente superior a do átrio direito (AD) e o septo interatrial deve apresentar-se com convexidade apontando para o lado direito na maior parte do ciclo cardíaco. Em pacientes sob ventilação mecânica, Kusumoto e col. observaram reversão mesodiastólica da convexidade para a esquerda durante a expiração em 64 de 72 episódios quando a pressão capilar pulmonar ocluída era menor que 15mmhg e somente em 40 episódios quando essa pressão era superior a 15mmhg. Se a reversão ocorria tanto na expiração quanto na inspiração a pressão capilar pulmonar estava freqüentemente abaixo de 10mmhg. Uma movimentação exagerada do septo também pode ser vista nos estados de hipovolemia importante.
Contudo, em algumas situações específicas a avaliação do septo interatrial não pode ser tomada como parâmetro de avaliação. São elas: presença de insuficiência tricúspide moderada ou importante, insuficiência mitral aguda, estenose mitral ou insuficiência mitral crônicas associadas à disfunção sistólica importante.
Através da utilização do Doppler uma série de dados pode ser obtida de modo a permitir uma estimativa bastante adequada das condições de enchimento do lado esquerdo do coração. Essas medidas são derivadas do padrão de fluxo transmitral, do pico de velocidade do fluxo mitral regurgitante quando presente, e mais modernamente da velocidade de movimentação dos tecidos obtidos pelo Doppler tecidual.
O fluxo transmitral é diretamente relacionado ao enchimento do ventrículo esquerdo e é determinado pelo gradiente de pressão transmitral. Seu padrão normal é de uma onda bifásica com uma fase dita de enchimento rápido (onda E) seguida por um período de diástase, com muito pouco ou mesmo sem nenhum fluxo, e por último uma onda menor (onda A) causada pela contração atrial (fig. 1).
A velocidade dos fluxos bem como as respectivas integrais tempo-velocidade (VTI) refletem as condições de enchimento do ventrículo esquerdo. Quando não há alterações significativas a relação entre o pico de velocidade da onda E sobre a onda A estará no intervalo entre 0,75 e dois (fig. 2).
Devemos lembrar que essa relação é fortemente afetada pela idade, cujo efeito predominante é a piora do relaxamento miocárdico, o que acarreta diminuição do pico da onda E aumento da onda A e uma relação E/A diminuída.
Quando presente, a insuficiência mitral também pode ser utilizada para se estimar o enchimento do ventrículo esquerdo. Através da equação modificada de Bernoulli, vista abaixo, é possível se calcular a pressão atrial esquerda.
PAE = PSAo – (4V2FRTM)
Onde PAE é a pressão no átrio esquerdo, PSAo é a pressão sistólica na aorta ascendente e VFRTM é a velocidade de pico do fluxo regurgitante através da válvula mitral. Para o cálculo, a fórmula assume que não há gradiente entre o ventrículo esquerdo e a aorta ascendente.
O padrão do fluxo das veias pulmonares é a terceira possibilidade para se estudar as pressões de enchimento do lado esquerdo do coração. Essas, normalmente apresentam um fluxo multifásico, com dois picos sistólicos (S1 e S2), um pico diastólico (D) e um pico retrógrado durante a contração atrial, denominado fase atrial reversa (AR). O primeiro pico da onda sistólica (S1) é relacionado ao relaxamento atrial, enquanto o segundo pico (S2) é influenciado pela sucção do sangue durante o movimento descendente do anel mitral durante a sístole ventricular. A velocidade diastólica depende da queda da pressão no átrio esquerdo após a abertura da válvula mitral.
Em condições normais há mais fluxo pelas veias pulmonares durante a sístole do que na diástole, o que mantém na maioria das vezes a relação S/D > 1 (fig. 3). Nos pacientes jovens com relaxamento ventricular normal, eventualmente podemos encontrar uma relação S/D < 1.
Uma relação abaixo de 0,4 é sugestiva de um aumento importante na pressão de enchimento ventricular e na pressão diastólica final do ventrículo esquerdo. Alguns estudos tem demonstrado que a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo é o principal determinante da velocidade sistólica da onda de fluxo das veias pulmonares e que a função ventricular teria menor importância.
Outro aspecto importante é relação entre a duração do fluxo atrial reverso e a onda A do fluxo transmitral. A diferença entre essas duas mostrou ser um parâmetro independente da idade e portanto, pode ser usado com um índice bastante confiável na avaliação da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo. Um componente reverso (AR) que tem duração superior a onda A é um dado que sugere fortemente que a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo esteja acima de 15mmhg.
Atualmente, outro recurso que vem sendo utilizado com excelentes resultados é o Doppler tecidual (TDI). Este é baseado nos mesmos princípios do Doppler pulsado convencional, só que ao invés de medir a velocidade do sangue, mede a velocidade de deslocamento do tecido miocárdico, o qual pode ser exibido como um sinal de Doppler espectral convencional ou colorido. Depois de selecionado o modo TDI no aparelho, a amostra volume é colocada sobre a parede miocárdica, mais comumente sobre o anel mitral. Para uma correta observação devemos nos assegurar que a movimentação do anel esteja alinhada ao feixe do Doppler. A movimentação paralela ao feixe irá produzir uma onda diastólica precoce (Em) seguida por uma onda diastólica tardia (Am), cuja relação é semelhante à relação E/A do fluxo transmitral. Quando a função diastólica é normal, a onda Em tem velocidade de pico superior a 8cm/s, nos casos de disfunção diastólica esse valor é menor (fig. 4).
Além das pressões de enchimento, o eco transesofágico permite uma excelente e acurada avaliação da pré-carga. Para essa finalidade, durante o período intraoperatório, a janela ecocardiográfica mais utilizada é a transgástrica em seu eixo curto. Através desta janela podemos estimar quantitativamente a área diastólica final do ventrículo esquerdo (ADFVE), medida ao nível dos músculos papilares e que através de um software do aparelho será transformada em volume (fig. 5).
Nesse plano algumas imagens são características, como por exemplo, o toque entre os músculos papilares durante a sístole, chamado de “kissing muscles”, que podem significar hipovolemia verdadeira ou relativa, de acordo com a situação de base.
O método descrito acima apresenta algumas limitações relacionadas ao modelo matemático usado pelo software, que não consegue fazer um cálculo preciso da área quando há alterações regionais de contratilidade ou então do formato do ventrículo esquerdo, pois o programa assume que o formato do ventrículo é regular para chegar ao volume. Nessas condições, podemos lançar mão do método de Simpson ou dos discos, lembrando que ele pode ser aplicado apenas em imagens obtidas no eixo longo.
Outra consideração importante sobre as imagens obtidas no plano transgástrico em seu eixo curto é que além da indicação da volemia, podemos apreciar também uma visão global da função contrátil do coração, bem como da presença de anormalidades regionais da contratilidade cuja presença implica na mudança da escolha do método de obtenção da volumetria da cavidade ventricular.
Utilizando todos esses parâmetros de maneira sistemática é possível se fazer um quadro geral da hemodinâmica do paciente, distinguindo se uma eventual hipotensão é decorrente apenas do estado volêmico ou se há também problemas com a função sistólica ou diastólica do coração, ou se ainda outros fatores devem ser descartados como sepse ou vasoplegia.
Após a obtenção e interpretação desses dados a abordagem terapêutica poderá ser então realizada de uma maneira muito mais efetiva, sem dúvida otimizando o resultado final para o paciente.